Cuidar de si é preciso…………..reflita nisso
A seguir vou relatar um pequeno trecho do livro Alzheimer recolhendo os pedaços
“Naquela madrugada quando o telefone tocou eu não me assustei, porque o cuidador vive em estado de alerta e medo o tempo todo.
– Mirinha seu pai caiu da cama e eu não consigo levanta-lo, liguei no SAMU e eles disseram que só socorrem se ele estiver sangrando.
– Mãe não mexe nele eu estou indo.
Quando cheguei ele estava deitado no chão do quarto, mamãe colocou cobertores para proteger o corpo e chorava muito sentindo-se impotente.
A impotência, o medo e o cansaço eram os meus companheiros inseparáveis. A fé e a esperança estavam morrendo aos poucos, de inanição, pois não tinha mais de onde tirar alimento para manter esse luxo.
Levantei meu pai e coloquei na cama novamente, usei o cobertor como faixa e fui apoiando o corpo em almofadas, enquanto minha mãe rezava e chorava.
– Mãe não chora, está tudo bem e ele não pode ver a senhora chorando senão vai piorar ainda mais. Está tudo bem, eu cuido disso.
Ela saiu do quarto e foi para a cozinha fazer chá.
– Pai está tudo bem, eu vou colocar o senhor na cama e amanhã levo no hospital, para ver se machucou alguma coisa. Fica tranquilo, eu cuido disso.
Quando saí eles estavam mais calmos e eu voltei para minha casa, com os braços e costas doloridos, o medo apertando meu coração e um grito sufocado na garganta. Mas, tudo bem eu cuido disso.
E assim foi, eu sempre “cuidei disso”, segurei o choro, briguei com o cansaço, enfrentei o medo e esqueci completamente de que sou humana, não uma máquina de “cuidar disso”.
E quando cheguei a minha casa pedi para Deus “cuidar disso”, mas Ele estava silencioso e eu entendi que até Ele imaginava que eu daria conta de tudo.
Mentira!
Não damos conta de tudo. Até as máquinas precisam de eletricidade, combustível, ou qualquer outro tipo de “alimento” para exercer sua função; até as máquinas precisam de manutenção e reparos; até as máquinas param para revisão.
Eu não podia parar, não podia me dar ao luxo de não atender aos gritos assustados de minha mãe, durante a madrugada:
– Mirinha corre aqui, essas caixas penduradas no teto vão cair na minha cabeça.
E eu levantava, corria e “escorava as caixas” para que não machucassem a minha mãe, então eu fazia um chá e enquanto ela tomava, já um pouco mais calma, às 2 horas da madrugada, eu dizia:
– Calma mãe, as caixas não vão cair mais. Não precisa se preocupar, eu cuido disso.
E quando a gente se transforma em uma máquina de “cuidar disso”, sempre se esquece de cuidar de si mesmo, então quando tudo acabou e o Alzheimer venceu essa batalha, eu aprendi que agora não sabia como cuidar de mim.
Como assim?
Eu tinha esquecido as coisas que eu amava, dos sabores e tons, das músicas e filmes… Mas a vida é sábia, e eu descobri que cuidar da gente, gostar da gente é como andar de bicicleta, mesmo depois de muito tempo, é só subir no banco, mesmo que a princípio as rodas pareçam não obedecer, de repente a gente começa a correr, sentir o vento no rosto e Deus sussurrando:
– Eu cuido disso.
E então acreditamos nesse sussurro e recuperamos a confiança para descer a ladeira “sem as mãos”; nos descobrimos maiores, melhores, mais fortes e generosos com a vida.
Nada parece grande demais, difícil demais, para alguém que sobreviveu ao Alzheimer. Olhamos para a vida sem a inocência daquele que não sofreu; mas com a certeza de que podemos superar qualquer obstáculo.”
Recomendo os livros
“Alzheimer diário do esquecimento”
“Alzheimer – recolhendo os pedaços
Até o próximo encontro!
Míriam Morata
Arquiteta, formou-se em filosofia, mestre em Ciência da Religião e pós graduada em Arquitetura Sustentável.
Presidente da ONG recriar.com.você, onde faz pesquisa sobre materiais e sistemas construtivos sustentáveis de baixo custo e hortas urbanas.
Escritora dos seguintes livros:
“Alzheimer diário do esquecimento
“Alzheimer – recolhendo os pedaços
Link para comprar os livros (obs. Não distribuímos em livrarias)
https://www.facebook.com/miriammnovaes/photos/a.126999327956023/256429061679715/?type=3&theater
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