Para saber o impacto de uma martelada sobre um dedo, eu posso estudar um pouco de energia cinética, força, massa, velocidade, nervos, anatomia do dedo… ou dar uma martelada no dedo.
As fórmulas não conseguem alcançar os sentidos.
Eu posso ser um profundo conhecedor da mecânica de motos, saber a função de cada peça, mas se eu não sentir o vento na cara enquanto seguro o guidão, não conhecerei o segredo que apaixona os motociclistas do mundo inteiro (inclusive eu). Observar e catalogar a folha de hortelã, ou fazer um chá e se aquecer enquanto lê o manual de plantas e folhas?
A teoria explica, ou pelo menos tenta explicar, mas é a realidade que sacode o coração e a Alma, que movimenta e acaricia os sentidos; e quando tocamos o mundo com as nossas mãos, imprimimos o selo humano na Grande Obra divina. A teoria massageia o cérebro, a realidade dá um soco no estômago.
O Alzheimer foi um mestre cruel, que me ensinou muito sobre a impermanência, a impotência humana, a fragilidade das nossas “verdades absolutas”; a real dimensão da compaixão e solidão humanas…Ele me ensinou sobre a patética ilusão de poder, controle, domínio e também me fez compreender que, mesmo que o cenário, as luzes e os atores estejam prontos e a plateia aguardando o espetáculo, nada garante que o roteiro será seguido, ou os atores conseguirão chegar ao palco, ou as cortinas abrirão.
Essa doença cruel me ensinou que não existe nenhuma garantia, sobre o próximo instante.De repente a roda da vida gira e tudo que estava acomodado e confortável, os problemas resolvidos, as perguntas respondidas, a conta paga, a ferida cicatrizada, os afetos e projetos no lugar onde deveriam estar… tudo isso recebe a chacoalhada da realidade, e nada será como antes.Desesperador?Um pouco.Desafiador?Muito.
Desesperar é matar a esperança de fome, a esperança se alimenta da fé, da teimosia, da persistência e da confiança na força que existe em nós, embora não saibamos exatamente de onde ela vem.
Desafiar é aceitar o blefe da Vida e pagar para ver, mesmo com as mãos vazias, o coração diz que o jogo continua.A cada hora eu precisava medir diabetes e a pressão da minha mãe, anotar em uma tabela e levar para o médico toda a semana. Cada vez que eu preparava os aparelhos, eu desligava o fogão e o computador, porque conforme o resultado teria que correr para o pronto socorro. Todas as manhãs quando ela estava silenciosa, eu entrava no quarto em pânico, para verificar se mamãe estava morta, ou viva.Quando ela começava a enrolar a ponta da manta, eu sabia que iria delirar e me preparava para ficar a noite inteira acordada, participando de uma tempestade, de enchentes, pessoas saindo da televisão, ou bichos subindo pelas paredes.
Nada era real, exceto o nosso amor e medo. Desistir?O Amor não deixa.Desafios?Vencer o medo e a desesperança e avisar a Vida que pago para ver.Míriam blefando e aprendendo a reconhecer os blefes da Vida.
“Míriam Morata in Alzheimer diário do esquecimento
Recomendo os livros
“Alzheimer diário do esquecimento”
“Alzheimer – recolhendo os pedaços
Até o próximo encontro!
Míriam Morata
Arquiteta, formou-se em filosofia, mestre em Ciência da Religião e pós graduada em Arquitetura Sustentável.
Presidente da ONG recriar.com.você
Obrigada querida, adoro seu site.
Beijo,
Míriam